Organização Mundial da Saúde chama a atenção para grande circulação de notícias falsas sobre o novo coronavírus.
Paralelamente à propagação do novo coronavírus, o Sars-CoV-2, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou a atenção para outro tipo de surto que também apresenta risco potencial à saúde pública e foi batizado por ela de infodemia. Trata-se da difusão massiva de desinformação, mentiras e rumores sobre a pandemia, comprometendo o acesso a dados com respaldo de cientistas e autoridades sanitárias. Além das notícias falsas, hoje conhecidas como fake news, o crescimento vertiginoso no volume de informações nem sempre precisas, divulgadas diariamente pelos meios de comunicação, também pode desnortear as pessoas. “Informações imprecisas sobre a Covid-19, a doença respiratória causada pelo coronavírus, estão se espalhando mais rapidamente do que o próprio vírus”, disse Aleksandra Kuzmanovic, gerente de mídias sociais da OMS, em entrevista à rede de televisão CNN, no início de março.
De acordo com Kuzmanovic, a organização está trabalhando todos os dias com empresas como Facebook, Twitter, Pinterest e Google, para garantir que os usuários sejam direcionados a fontes de comunicação confiáveis. O objetivo é fazer com que as pessoas tenham acesso a informações oficiais da OMS, dos centros de controle de doenças ou dos ministérios da Saúde dos países quando pesquisarem por “coronavírus” nas plataformas digitais. No site da OMS, foram disponibilizados infográficos que desmentem os principais boatos que circulam na internet, como uma recomendação de que banhos quentes matam o coronavírus ou que a doença pode ser transmitida por mosquitos.
Diversos países estão adotando medidas para enfrentar a infodemia. Em pronunciamentos, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, alertaram a população sobre os perigos da desinformação. Merkel fez um apelo: “Peço que não acreditem em boatos, mas apenas nos comunicados oficiais”.
No Brasil, o Ministério da Saúde criou uma página especial para combater fake news sobre a Covid-19. A pasta disponibilizou um número de WhatsApp (61 99289-4640), para que a população envie fatos duvidosos veiculados nas mídias sociais e aplicativos de mensagens, para serem checados por uma equipe técnica do ministério. No site, as informações são classificadas em duas listas, de acordo com os selos “Isto é fake news” ou “Esta notícia é verdadeira”. Também são reunidos dados sobre prevenção, transmissão do vírus e atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e é possível acessar um podcast sobre a pandemia, produzido pelo próprio ministério.
O combate à desinformação é reforçado pelas universidades e instituições de pesquisa. A Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, criou um hotsite. Nele, reúne dados atualizados em tempo real sobre casos confirmados de Covid-19 no mundo, incluindo número de mortes e pacientes que se recuperaram da doença. É possível acessar um mapa on-line, que permite visualizar casos confirmados por país, entre outras informações regionais.
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também criou uma página especialmente para divulgar informações sobre o novo coronavírus. Foi organizada uma lista com links para acessar o site de órgãos como a Organização Pan-americana da Saúde e a OMS. Há também notícias de interesse da comunidade interna da universidade, como iniciativas de ensino a distância para os alunos.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por sua vez, lançou um aplicativo chamado “Eu fiscalizo”, que permite aos usuários avaliar conteúdos veiculados nos meios de comunicação, referentes não só ao novo coronavírus, mas a assuntos de saúde pública em geral. De acordo com a idealizadora da plataforma, a pesquisadora Claudia Galhardi, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o objetivo é estimular a sociedade a notificar conteúdos impróprios difundidos nas mídias sociais, serviços de streaming e veículos tradicionais, como TV e rádio. “O material recebido será convertido em um banco de dados, dividido por categorias de acordo com o tipo de meio de comunicação em que o assunto foi publicado”, informou Galhardi em nota divulgada pela Fiocruz.
Para o físico Peter Schulz, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e secretário-executivo de Comunicação da mesma instituição, a divulgação dos fatos científicos e sanitários sobre o coronavírus é especialmente desafiadora. “A rapidez com que a doença evolui exige um grande esforço de apuração jornalística. A cada dia novos dados são divulgados por autoridades sanitárias e grupos de pesquisa dedicados a entender o funcionamento do vírus e a encontrar tratamentos”, diz Schulz.
Por essa razão, especificamente no caso da divulgação de pesquisas, é preciso tomar cuidado para não difundir resultados preliminares ou hipóteses como dados inconclusivos, alerta o pesquisador. Ele cita como exemplo estudos em andamento que buscam testar a eficácia de medicamentos existentes, como a cloroquina – utilizada para tratar malária – para curar pacientes infectados pelo coronavírus. “A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] autorizou dia 27/03 os testes de uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19, mas antes disso já circulava na internet boatos de que o fármaco podia ser utilizado para esse fim. Embora seja um tratamento possivelmente promissor, ainda faltam estudos científicos comprovando a segurança e a eficiência do remédio contra a Covid-19”, ressalta.
Assim como a John Hopkins, a Unicamp também criou um hotsite sobre o novo coronavírus. São divulgados boletins diários com gráficos e tabelas sobre os atendimentos realizados no Hospital de Clínicas da universidade e os esforços da Força-Tarefa Covid-19. No âmbito dessa iniciativa, foi possível desenvolver e validar o teste diagnóstico utilizado no Hospital de Clínicas da Unicamp. Além de divulgar notícias produzidas pela equipe do Jornal da Unicamp, como reportagens sobre as pesquisas com coronavírus realizadas por especialistas da instituição, o site tem um campo destinado à divulgação científica, em que recomenda acesso a outros portais que vêm se dedicando à cobertura da pandemia no país, como os blogs de ciência da Unicamp, o podcast Quarentena, produzido pelo Laboratório Aberto de Interatividade (Labi) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e a revista Pesquisa FAPESP.
A Universidade de São Paulo (USP) também dispõe de página exclusiva para divulgar notícias sobre a epidemia, produzidas pela equipe do Jornal da USP. As informações são validadas por infectologistas, virologistas e outros especialistas da instituição. Outra fonte de informações confiáveis é o Observatório Covid-19 BR, uma iniciativa independente desenvolvida por pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp), de Brasília (UnB), Federal do ABC (UFABC), além de USP e Unicamp. O portal traz análises estatísticas sobre casos de Covid-19 notificados no país, explicações de como epidemias se espalham, a velocidade com que o vírus avança na população e como o isolamento social influencia a dinâmica de propagação do coronavírus.
“Nós, cientistas de diversas áreas, apresentamos aqui análises baseadas em dados oficiais da propagação do coronavírus no país. Esperamos contribuir com as autoridades responsáveis e informar a população a partir de um ponto de vista científico”, informaram os criadores do Observatório.
Influência política
De acordo com especialistas em comunicação, as declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro, condenando o isolamento social generalizado, contribuíram para difundir generalizações e desinformação a respeito dos métodos utilizados para conter a transmissão do novo coronavírus. Logo após criticar a quarentena e o fechamento de escolas e do comércio, em pronunciamento na noite de 24 de março, a plataforma de monitoramento digital Torabit identificou milhares de comentários nas mídias sociais, de usuários na dúvida se poderiam ou não interromper a quarentena.
“A confusão foi grande, porque a fala do presidente foi imediatamente condenada por várias entidades médicas e governadores. Muitas pessoas ficaram sem saber em quem deveriam acreditar”, diz a publicitária Stephanie Jorge, cofundadora da Torabit. De acordo com ela, em decorrência disso, observou-se nos últimos dias uma explosão de notícias falsas relacionando o novo coronavírus com fatos políticos.
“Até então, predominavam mais fake news referentes ao tratamento da Covid-19, como posts recomendando o uso de chás ou de vitamina C para curar a doença”, conta Jorge. Com a politização da crise epidêmica, diz ela, as informações falsas passaram a gerar confusão em torno de questões como aposentadoria. “Um dos boatos dizia que uma medida provisória suspenderia a aposentadoria dos idosos que descumprissem o isolamento social.” Jorge também destaca o predomínio de muitas notícias falsas de cunho xenófobo, como a que apregoa que o vírus teria sido criado em laboratório na China – um estudo publicado na revista Nature Medicine desmentiu isso, ao comprovar que o vírus tem origem natural.
“A comunicação tem de ser tratada como prioridade máxima em emergências como a que vivemos”, defende o médico José Gomes Temporão, pesquisador da Fiocruz e membro da Academia Nacional de Medicina. Ele esteve à frente do Ministério da Saúde durante a eclosão da pandemia do vírus H1N1 em 2009, quando o Brasil registrou cerca de 2,1 mil mortes e 58 mil infectados. “Na época, as mídias sociais não tinham a força que têm hoje. Mas já era preciso lidar com a difusão de notícias falsas em sites como a antiga rede social Orkut”, recorda. “Hoje, com a gigantesca publicação de vídeos no YouTube e da manifestação de grupos anticiência, a atuação desses movimentos passou a ser uma grande preocupação para a saúde pública”, avalia Temporão.
Fonte: Pesquisa Fapesp
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